A aceitação nunca foi uma chave para a liberdade. Aceitar, muitas vezes, é se conformar, é se encaixar, é aceitar que o mundo pode, finalmente, nos permitir existir, mas sempre em seus próprios termos. Em um sistema que nos molda, que nos vigia, que nos insere em categorias e caixas, a aceitação parece ser a maior recompensa que podemos alcançar. Ela nos é dada como uma moeda que, ao ser trocada, parece nos garantir um espaço — mas um espaço estreito, limitado, cheio de muros invisíveis que só conseguimos perceber quando nos vemos sufocades.

E o que acontece quando essa aceitação, que parecia tão almejada, se revela apenas um reflexo do próprio sistema que nos opõe? Estamos celebrando nossa liberdade ou nos contentando com uma ilusão de liberdade?

Mas, e se a verdadeira liberdade não estiver em ser aceite, mas em ser capaz de construir nossa identidade fora do alcance de qualquer olhar que nos valide? O que nos resta, então, se não a autodeterminação, se não a coragem de nos definir por nossa própria voz, sem as imposições de um mundo que insiste em nos encaixar em moldes? A aceitação, nesse sentido, não pode ser vista como a meta final, mas como a força que nos aniquila em nome de uma falsa harmonia. Não precisamos de um lugar dentro do sistema, precisamos, antes de tudo, questioná-lo — até suas fundações.

A ironia aqui é que, enquanto lutamos pela aceitação de nossos corpos, de nossas identidades, muitas vezes estamos apenas esperando que o sistema nos dê o direito de existir em paz. E a paz do sistema é sempre uma paz vigiada, uma paz que nos exige a conformidade para que possamos respirar. Essa paz nunca será real, pois está cimentada naquilo que nos limita. Aquelus que se ajustam a ela, se sentem finalmente acolhides, mas, na verdade, estão apenas trocando a dor da marginalização pela dor da alienação de si mesmes.

A luta não é por um lugar dentro da mesa cis-heteronormativa. A luta é pela destruição dessa mesa e pela criação de novos espaços, onde possamos existir sem precisar de permissão. Não se trata de garantir um assento em um sistema que nunca quis nossa presença, mas de reconstruir os alicerces do que entendemos como sociedade. Precisamos entender que a aceitação que o sistema nos oferece é uma aceitação condicionada: ele quer que nos adaptemos aos seus valores, não que nos libertemos deles. A verdadeira liberdade começa no momento em que, ao invés de pedir por um lugar à mesa, decidimos que a mesa não nos serve mais.

Nesse contexto, podemos perceber como a busca por visibilidade, por direitos, por reconhecimento, muitas vezes se torna uma armadilha. Ao lutar por um lugar dentro dos espaços tradicionais de poder, acabamos reforçando a estrutura que nos oprime. Queremos uma visibilidade que aceite nossos corpos, mas, ao pedir por ela, nos arriscamos a fortalecer os critérios de visibilidade que foram impostos ao longo da história. A luta, então, não pode ser apenas por um reconhecimento dentro das regras estabelecidas, mas por uma desconstrução dessas regras, por um movimento que vá além do aceito, que crie novos significados para nossos corpos e identidades.

A verdadeira revolução não está em nos adaptar ao que é considerado “normal” ou “legítimo”, mas em forjar novas possibilidades de ser e existir. A revolução começa no momento em que abandonamos a busca pela aprovação de um mundo que sempre tentou nos silenciar. Ela não está nas concessões que fazemos, mas na ruptura que somos capazes de gerar. A verdadeira liberdade não está em ser aceite, mas em ser irreconhecível para os olhos que tentam nos enquadrar.

A aceitação é a máscara que nos é oferecida para esconder a opressão de um mundo que não quer nos ver como somos. A verdadeira revolução começa quando, em vez de aceitarmos essa máscara, decidimos rasgá-la, e, sem medo, mostramos a face nua da nossa identidade, da nossa verdade, sem a necessidade de validação externa. Somente assim, finalmente, seremos livres — e a liberdade, quando vem, não depende de sermos reconhecides, mas de sermos autêntiques, de sermos nós mesmes.