Amatonormatividade

A sociedade impõe uma série de estigmas sobre as pessoas solteiras, frequentemente associando-as à imaturidade ou à busca incessante por diversão, em vez de valorizar sua autonomia ou aprofundar vínculos afetivos diversos. Existe uma crença profundamente enraizada de que, mais cedo ou mais tarde, essas pessoas encontrarão "a pessoa certa" que lhes proporcionará a felicidade genuína. Nesse imaginário, a ideia de que "ficar com alguém" é uma realização inevitável e superior, mesmo que esse relacionamento seja prejudicial, é repetidamente propagada. Afinal, alegrias seriam mais legítimas quando compartilhadas, não? Esse conceito subjaz um ciclo que alimenta, direta ou indiretamente, setores como os aplicativos de encontros, que prosperam com a ansiedade social em torno dos relacionamentos românticos.

Esse cenário é uma manifestação clara da amatonormatividade, um termo cunhado pela filósofa Elizabeth Brake, professora da Universidade Estadual do Arizona, para descrever a pressão social que exige que as pessoas se envolvam em relacionamentos românticos, sexuais, monogâmicos e, frequentemente, duáricos e duradouros. A amatonormatividade impõe um padrão rígido de realização pessoal, no qual o relacionamento "ideal" segue um modelo duárico, heteronormativo e monogâmico. A trajetória esperada é a de encontrar uma pessoa com quem se compartilhe uma vida inteira, formando uma família tradicional, com pelo menos ume filhe, cuja geração perpetuará esse ciclo de afetividade normatizada. Este é o único modelo socialmente aceitável de "felicidade" e "sucesso", e, muitas vezes, é a única narrativa de vida oferecida.

Contudo, as transformações sociais das últimas décadas, principalmente no século XX, desafiaram essa visão monocromática de afetividade. Instituições como o divórcio e o casamento entre pessoas do mesmo gênero, por exemplo, tornaram-se legais em vários países, incluindo o Brasil. Além disso, o aumento do acesso à educação, especialmente para as mulheres, resultou em uma escolha crescente de priorizar estudos e carreira, muitas vezes à custa do casamento ou da criação de filhes. Essas mudanças abalaram a moralidade tradicional do casamento, minando, em particular, a autoridade da Igreja como um pilar fundamental da estrutura social.

Não surpreende, então, que os setores conservadores tenham reagido com resistência a essas mudanças, temendo que uma população mais instruída e emancipadas seja menos vulnerável à manipulação e controle. Contudo, apesar de muitas dessas mudanças legais, o estigma persiste. Relações não-monogâmicas, por exemplo, continuam a ser marginalizadas, e o Estado, que deveria ser laico e imparcial, ainda favorece o modelo de relacionamento romântico tradicional, legitimando-o por meio de políticas públicas e culturais.

Esse controle sobre os relacionamentos humanos vai além do discurso e se reflete em práticas institucionais e políticas corporativas. Empresas de turismo, por exemplo, penalizam quem viaja sozinhe, e nos Estados Unidos, as pessoas solteiras enfrentam uma tributação mais elevada. Essas leis não são apenas reflexo de uma estrutura social antiquada, mas também de uma ideologia que privilegia um modelo de relação afetiva específico — o romântico — enquanto outras formas de afeto, como a amizade, os laços familiares ou os vínculos não-monogâmicos, são tratadas como secundárias ou desvalorizadas.

Na prática, essa estrutura normatizadora ensina as pessoas a priorizarem os relacionamentos românticos e monogâmicos em detrimento de outras formas de vínculo afetivo, como as amizades profundas ou relações de apoio mútuo. Tudo que envolva intimidade e afeto tende a ser automaticamente interpretado como romântico, sexual e monogâmico. Essa visão estreita da afetividade não só limita a percepção de amor e conexão como também marginaliza pessoas cujas experiências afetivas não se alinham a esse modelo, como é o caso de pessoas arromânticas, assexuais e não-monogâmicas. Para essas pessoas, o conceito dominante de amor romântico simplesmente não se aplica, deixando-as frequentemente fora da narrativa social mais ampla sobre o que é "uma vida bem-sucedida" ou "realizada".

Agora, surge a questão: será que essa concepção restrita de afeto é realmente o caminho para a felicidade? Será que todas as pessoas precisam de um relacionamento romântico ou sexual para se sentirem completas? A amatonormatividade, ao reduzir a experiência humana a um único tipo de vínculo afetivo, ignora a riqueza e a diversidade das formas de amor e conexão que as pessoas podem experimentar. Questionar esse modelo não é apenas um ato de resistência, mas uma busca por um mundo mais inclusivo, onde as pessoas possam encontrar e valorizar múltiplos tipos de afeto, sem a pressão de se conformarem a um único molde que não reflete a totalidade de suas experiências emocionais e afetivas.