Muito se critica a neolinguagem sob a justificativa de que ela seria elitista e excludente, mas tal argumento parece carecer de fundamentação. Afinal, o objetivo da neolinguagem é precisamente somar e incluir, rompendo barreiras impostas por sistemas que, há séculos, privilegiam apenas uma parcela da população.

Antes de atacar a neolinguagem, talvez fosse interessante observar os números que evidenciam os reais problemas estruturais: mais de 8% da população brasileira é analfabeta, e isso não é culpa da neolinguaguem, mas uma consequência direta de décadas de descaso governamental e de políticas públicas que falharam em democratizar o acesso à educação. Apontar o dedo para a neolinguagem nesse cenário é um desvio de foco que beira o cômico, mas que, infelizmente, reflete um hábito comum de criticar o novo sem olhar para os reais responsáveis pelos problemas — e é isso que é o reacionarismo.

É curioso notar que as mesmas pessoas que afirmam que a neolinguagem é inacessível ignoram que o sistema linguístico tradicional nunca foi acessível a todes. Pessoas com deficiência visual, que usam Braille; pessoas surdas, que usam Libras; e até falantes de dialetos regionais ou específicos, sempre foram marginalizades pela norma padrão. Será que esse grupo teve seu direito à inclusão garantido pelo sistema tradicional?

Braille e Libras são exemplos contundentes de sistemas criados a partir da necessidade de inclusão, e, no entanto, são tratades como subalternes na sociedade. Se houvesse real compromisso com acessibilidade, essas linguagens fariam parte do currículo escolar desde o ensino fundamental, e o Brasil teria uma sociedade minimamente bilíngue em Libras. Mas não é o caso. Pessoas que dependem dessas formas de comunicação continuam marginalizadas, enfrentando barreiras na educação, no trabalho e na vida cotidiana.

As críticas à neolinguagem também recorrem frequentemente ao argumento de que os conjuntos da mesma que utilizam o sistema APF seriam impronunciáveis. Aqui reside mais uma falácia. Dizer que toda linguagem precisa ser falada ou escrita não apenas contradiz o princípio de inclusão, mas desconsidera a existência de formas de comunicação como Libras, que não têm representação oral ou textual direta e, mesmo assim, são sistemas linguísticos plenos. Além disso, acusar usuáries de neolinguagem de "forçarem" a pronúncia é duvidar de sua vivência e capacidade, um exercício de paternalismo que subestima o outro.

Outro ponto preocupante é a utilização de pessoas com deficiência como escudo para invalidar a neolinguagem. Quem se apropria desse argumento demonstra desconhecimento sobre as condições dessas mesmas pessoas e das realidades periféricas. Existe uma miríade de indivíduos de baixa renda, com deficiência ou vivendo em áreas marginalizadas que adotam a neolinguagem em seus cotidianos. Esses indivíduos não apenas a utilizam, mas a defendem, reafirmando seu papel como instrumento de abrangência.

Ademais, é importante destacar que pessoas com dislexia, frequentemente usadas como exemplo para criticar a neolinguagem, enfrentam dificuldades com o sistema linguístico padrão como um todo, não apenas com novas propostas linguísticas. Onde está a indignação dessas mesmas pessoas críticas quando se trata de apontar a língua portuguesa padrão como excludente? Parece que a preocupação com acessibilidade só surge quando é conveniente para atacar iniciativas progressistas.

No final, as críticas à neolinguagem frequentemente ecoam ignorância e hipocrisia. Atacar uma proposta que busca ampliar os horizontes da inclusão enquanto se ignora as exclusões históricas perpetradas pela norma é um exercício de retórica vazia. A verdadeira inclusão não passa pela conservação de sistemas arcaicos, mas pela adaptação constante às necessidades de todos os indivíduos — e a neolinguagem é apenas uma das ferramentas nesse processo.

Publicado por Yvies em 04 de fevereiro de 2021 em Colorid.es | Atualizado em 21 de novembro de 2024