Sobre orientações: uma crítica
Não, eu não estou aqui para criticar as orientações em si, e provavelmente vocês nunca irão me ver fazendo isso. O foco desta crítica são os usos equivocados, reducionistas, excludentes e transmisíacos que muitas vezes são associados a elas.
Pergunto a você, homem gay e cis: você se atrai por pintos ou por homens? A orientação sexual de alguém é definida por genitais? A resposta, de forma clara e direta, é: não!
Nenhuma orientação se define por sexo ou idade. E, sim, menciono a idade porque há quem acredite — ou tenha acreditado — que pedófilos pertenciam à sigla LGBTQIAPN+ como “pedosexuais”. Isso é uma falácia, fruto de um ataque político vindo de fóruns de extrema-direita. Orientações, sejam sexuais ou românticas, são constituídas com base em gênero(s) e/ou condição(ões) — como no caso da orientação âmicus —, resumidamente.
É importante destacar que idade não é uma condição, pois envolve relações de poder, manipulação e abuso. A parte mais vulnerável, geralmente a criança ou adolescente, não possui a maturidade emocional, psicológica ou cognitiva necessária para dar consentimento informado, que exige plena compreensão e vontade livre de influências ou coerções. Essa dinâmica vai contra o consentimento informado, que é uma base ética fundamental nas relações humanas.
E o motivo pelo qual orientações não são definidas pelo sexo é simples: não há como saber quais órgãos sexuais ou cromossomos alguém tem a não ser que você os adivinhe — o que seria ridículo. Definir orientação com base nisso seria reduzir as complexas vivências sociais de gênero a meras características biológicas, desrespeitando a diversidade de experiências.
Orientações, por sua vez, são descritas de maneiras como “eu não me atraio por ninguém”, “eu me atraio dessa forma”, “eu me atraio por certos gêneros” ou ainda “eu me atraio independentemente do gênero”, entre algumas outras possibilidades.
Se você afirma que se atrai por pênis, por exemplo, isso reflete uma expectativa de gênero, em que você espera que pessoas de um determinado gênero tenham essa característica física. Isso é resultado de uma construção social, onde se projetam expectativas sobre o que é o gênero de alguém com base em aspectos físicos. E sabemos que gênero não é uma questão de opinião ou suposição, mas de vivência social e construção.
Agora, se sua ideia de atração está baseada em uma masculinidade binária (como "homem cisgênero e perissexo"), é preciso reconhecer que essa visão carrega transmisia. Nem todos os homens tem pênis, e nem todas as pessoas com pênis são homens!
No entanto, não veja essa transmisia como algo que define sua moral ou te faz uma pessoa má de maneira irrevogável. Assim como o racismo, o capacitismo e outras formas de opressão, ela está profundamente enraizada na sociedade e, muitas vezes, é reproduzida sem consciência.
Agora que você identificou a origem transmisíaca dessa lógica, vale a pena refletir: será que sua "atração" por determinado genital está realmente ligada a preferências pessoais e experiências, ou é resultado de expectativas de gênero transmitidas pela sociedade? É importante começar a questionar essas falas, estudar o tema de maneira política e, a partir do diálogo e do aprendizado, cortar esse mal pela raiz.